A primeira noite em
Berlim tinha sido um sacrifício para Milicent. A cama não era a sua,
a casa era estranha, não era aquela onde tinha crescido, onde tinha
todas as suas memórias. Não tinha conseguido adormecer até às
quatro da manhã e, só depois de ir beber uma caneca de leite
quente, é que o conseguiu fazer.
Tinha mandado uma
sms a Marco, avisando-o de que tinha algo para ele naquela casa. O
jovem rapaz, nesse mesmo instante foi para a sua casa esperando
encontrar Milicent. O silêncio na casa era estranho, não havia
sinais da presença de Milicent naquela casa. Chamou por ela, mas não
teve nenhuma resposta. Foi até ao quarto, onde encontrou o pequeno envelope em cima da almofada dela.
Marco
sentiu que algo não estava certo...que, o que quer que fosse que ali
estivesse escrito, não era nada do que esperava. Aquilo que ela
tinha escrito ali, seria o futuro dos dois...Marco tinha essa noção.
Abriu o envelope, retirando de lá a folha onde a letra de Milicent
estava escrita. Abriu-a e começou a ler:
«Bem...primeiro
é importante dizer-te olá. Por isso: olá meu loiraço lindo. És
tão lindo Marco...mesmo, mesmo lindo. Ah! Queria tanto que tudo o
que te vou dizer não tivesse de ser dito...queria apenas ficar nos
teus braços por mais noites, ser tua, tu seres meu e sermos um nós
que nem sabia que já existia. Já viste o que me fazes dizer? A
culpa é toda tua que me deixas descompensada. Vá...mas isto é a
sério, já chega das minhas parvoíces.
Quando
estiveres a ler isto, o mais provável é que eu já tenha chegado ao
meu destino...Marco, deixei Dortmund com os meus pais. O meu pai
precisa de receber um tratamento de oxigenação ao cérebro que só
pode ser feito em Berlim. E eu vou com eles..para a capital. Durante
os seis meses do tratamento. Durante seis meses sem estar em
Dortmund, seis meses em que abdico de tudo da minha vida para ter a
oportunidade de estar com os meus pais, enquanto uma família.
Fizeste-me tão
bem nestes dias...mesmo, mesmo bem. Acho que nunca estive à espera
que um rapaz, depois do meu ex-namorado, me fizesse sentir tão feliz
como tu me fizeste sentir. E fazes...porque apesar de estar a 4h30 de
distância, eu sei de uma coisa: é impossível esquecer-te (em tão
pouco tempo, Marco...tu em tão pouco tempo foste perfeito para mim).
Sei da promessa que fizemos...mas cumpri-la não será para mim,
porque já estou completamente apaixonada por ti.
Deste-me, de
novo, a vontade de amar, de ter um namorado, de pensar num futuro a
dois...mas tenho completa noção de que contigo não será. A tua
vida como casal começou agora com a Carolin, vocês merecem ser
felizes e tu, principalmente tu, mereces ser feliz. Tenho a certeza
que ao olhares as fotos e ao recordares o dia do teu casamento vais
perceber que ela é a tua mulher e que os dois serão muito felizes a
partir de agora.
Vou estar seis
meses fora...vou tentar ligar-me aos meus pais e viver uma vida com
eles. Criar uma rotina com eles, começar a falar mais com os meus
pais...creio que será bom para nós os três...mas mau para nós os
dois. Nós os dois...eu e tu Marco...era tão bom que fosses mesmo
meu.
Obrigada por
estes dois dias maravilhosos do teu lado, obrigada por me fazeres
sentir amada, por me fazeres sentir desejada, por me tratares como
uma princesa, por, acima de tudo, teres sido sempre verdadeiro
comigo. Marco...não vou mentir, isto custa...já imaginava os meus
dias ansiando estar do teu lado, sentir o teu cheiro, o teu toque, o
teu calor.
Vou sentir
tanto, mas tanto a tua falta. Mas, segue com a tua vida, assim como
eu o tentarei fazer. Sê feliz com a Carolin, faz dela a mulher mais
feliz do mundo e que ela faça de ti o homem mais feliz do mundo. Tu
és lindo Marco, por dentro e por fora. És o homem mais completo que
existe. A tua felicidade é o mais importante.
Gosto
muito de ti, meu Marquinho. Desejo-te tudo de bom.
Um
beijo super bom para ti.
A tua Mili.»
A cabeça de Marco, depois de ler aquela carta, deu uma volta de 180º. De uma hora para a outra, tinha “perdido” a sua...a sua Mili. Tinha perdido aquela rapariga que lhe dava pica, vontade de estar comprometido não com a mulher com quem casou, mas com ela. Marco...sentia agora um vazio dentro de si.
Pegou, muito depressa, no seu telemóvel iniciando uma chamada para Milicent. Chamou, chamou, chamou, mas ela não atendeu. E Marco não pensou duas vezes, saiu daquela casa em direcção à casa dos avós de Milicent. Assim que chegou à porta de casa dos avós dela, questionou se estaria a fazer o correcto ou não...afinal iria estar a meter-se na vida de Milicent. E não sabia se ela iria gostar ou não. Mas saiu do carro e tocou à campainha.
Pouco tempo depois, uma senhora com os seus 60 e poucos anos abriu-lhe a porta. Era a avó de Milicent...eram parecidas.
- Boa noite... - a senhora não sabia que Marco era um jogador de futebol. Nunca ligou muito a isso e por isso não achou estranho ali a presença daquele rapaz.
- Boa noite. Peço desculpa estar a incomodar a estas horas...é a avó da Milicent?
- Sou sim...
- Eu já sei que a senhora sabe que eu e a sua neta...bom que eu e a sua neta estamos, ou estávamos envolvidos.
- És o rapazinho da minha neta...entra – Jolandi afastou-se da porta e Marco entrou, olhando para Abelard que o reconheceu imediatamente.
- O que é que faz, na minha casa, uma pessoa como Marco Reus? - Abelard levantou-se indo ter com Marco. Os dois apertaram as mãos e Jolandi aproximou-se deles.
- Conheces o rapaz, Abelard?
- Ele joga no Borussia, mulher!
- Daí ser conhecido...a Milicent tinha razão.
- Mas a Milicent conhece-o? - Abelard ainda não sabia de nada.
- Eu e a sua neta...nós temos estado juntos.
- Mas tu não casaste à um dia?
- Abelard, deixa os rapazes serem livres. A Milicent sabe perfeitamente o que é que anda a fazer – Jolandi agarrou o braço de Marco e levou-o a sentar-se no sofá – diz-me, vieste cá por causa do que está a acontecer?
- Sim...ela deixou-me uma carta...e eu não percebi.
Jolandi acabou por contar a história toda a Marco, bem como contar ao seu marido o que se andava a passar entre eles os dois.
- Não consigo compreender o que vocês têm! A Milicent não era assim! E tu, meu rapaz? Andas a enganar a tua esposa? - Abelard estava surpreendido por tudo o que ouvia e não conseguia aceitar as coisas como Jolandi tinha aceite.
- Senhor Abelard...a sua neta fez-me questionar tudo. Eu estive a um passo de não casar, eu queria ter ficado com ela, eu queria que as coisas com a Carolin não existissem mais...eu estou a apaixonar-me pela pessoa que a Mili é.
- Tu...chamas-lhe Mili? - perguntou Jolandi.
- Sim...sei que só os pais o faziam...mas ela não se importou que eu o fizesse.
- Abelard... - Jolandi olhou para o marido – vai buscar o papel com a morada da menina.
- Para que?
- Se ele não puder lá ir já, ao menos fica a saber onde é que está a nossa menina – Jolandi olhou para Marco, agarrando-lhe na mão – fica sabendo que poderás sempre contar comigo. E o meu marido irá acabar por aceitar tudo. Quer vocês fiquem juntos, ou não.
- Muito obrigado, obrigado mesmo.
Em Berlim as coisas estavam estranhas.
No seu primeiro dia na cidade, Milicent estava sozinha. Os pais tinham ido tratar do processo do tratamento de Hinrich e ela tinha ficado em casa sozinha. Desde que tinha acordado, que tinha recebido chamadas de Marco. E, com isso, Milicent sabia que ele já tinha lido a carta. Mas...atender à chamada iria fazer com que ela chorasse e se sentisse ainda pior do que já estava.
2 dias depois:
- Milicent, filha, tens correio – Renae, a sua mãe, entrou no quarto da jovem, deixando-lhe uma carta em cima da secretária.
- Correio?
- Sim...é de um rapaz de Dortmund.
- Um...rapaz?
- Sim, Mili...queres alguma coisa especial para o jantar?
- Não, qualquer coisa está perfeito, mãe.
- Então vou começar a fazer. Daqui a nada chamo-te.
- Está bem – Renae saiu do quarto da filha e Milicent levantou-se da cama, indo até à secretária. No remetente...a confirmação às suas dúvidas surgiu “De: Marco Reus”.
Milicent pegou na carta e sentou-se na cama outra vez. Sentiu aquele cheiro...parecia que aquele pedaço de papel cheirava a ele. Ou estaria louca? Abriu o envelope e começou a ler o que vinha escrito no papel que lá estava dentro.
«Depois
de não teres atendido as chamadas, nem responder às
mensagens...achei outra forma de saberes o que te quero dizer. Talvez
as coisas não vão ficar mal...talvez vão ficar muito bem.
Não
estava nada à espera que saísses de Dortmund...muito menos que
saísses da minha vida assim...do nada. Milicent, não me deixes.
Será pedir muito? Tu foste como que...uma bomba de oxigénio que me
veio preencher nestes últimos tempos. Vês? Não és a única a
ficar descompensada com isto tudo. Eu penso em ti a todo o momento,
estando ou não com a Carolin. Ai! Porque é que ela existe? Porque é
que eu me casei?
Eu
podia, simplesmente, ter dito que não e cancelar aquilo tudo. E
agora era todo teu e tu toda minha. Seríamos nós, como um casal.
Estaria a conhecer-te como minha menina. Eu quero-te sim? Mais do que
querer que estejas aqui em Dortmund, quero que sejas parte de mim,
que sejas a minha parte mais preciosa, a jóia mais preciosa do meu
ser.
Dúvido,
mas dúvido mesmo, que fique muito tempo casado. Eu não sou feliz ao
lado dela, não consigo sê-lo enquanto penso em ti. Conheci os teus
avós...foram eles que me deram a tua morada. Basta pô-la no GPS e
vou ter contigo. Estamos os dois de férias, acho que não iria dar
nas vistas.
Sei
que é errado estar casado com uma pessoa e andar a traí-la com
outras...mas Mili, eu estou a ficar tão apanhado por ti. Tu és tão
perfeita, tão bonita, tão esperta, tão calma e selvagem ao mesmo
tempo. Esse teu ar latino...mexeu comigo (e ainda me tens de
explicar...são poucas as morenas na Alemanha). Queria que estivesses
aqui, que adormecesses comigo de vez em quando, que acordasses
comigo, que fosses minha todas as noites que quiséssemos.
Será
possível que eu esteja completamente cheio de saudades tuas? Ai
Milicent eu quero-te tanto! Se, depois de leres a carta não me
ligares...eu desisto de nós sabes? Isso será o sinal de que tu não
queres estar comigo e eu desisto. Mas...espero bem que ligues. Porque
a tua carta só me fez acreditar que ainda será a minha Sra. Reus.
Gosto
muito de ti minha Mili.
Um
beijo daqueles nossos.
O
teu Marco.»
Pegou no seu telemóvel e iniciou a chamada. Milicent não podia deixar Marco desistir deles...porque ela não o queria fazer. Do outro lado da linha ouvia o barulho irritante de que estava a chamar...estava prestes a pressionar o botão para desligar a chamada quando Marco atendeu.
- Já leste a carta... - ouvir aquela voz doía...machucava o coração de Milicent e deixava-a cheia de vontade de ir ter com ele, como se ele estivesse ali ao virar da esquina.
- Li...
- Mili... - Marco sentia o mesmo...sentia que queria estar com ela.
- Marco...porque é que foste falar com os meus avós?
- Eu precisava de saber de ti...Milicent, tu não atendias as minhas chamadas, não respondeste a nenhuma mensagem...isso fazia com que eu pensasse que não me quisesses mais na tua vida mesmo.
- Marco eu não te quero na minha vida – Milicent mentia...mas teria de ser assim, não podia esperar que Marco ficasse na sua vida.
- Foi por isso que ligaste? Eu dúvido, Mili.
- Mas duvidas porque?
- Por causa da tua carta...por causa da minha. Se me estás a ligar é porque não queres desistir.
- Mas como é que...Marco! É impossível mantermos algo. Como é que isso é possível? Não é! Não vais simplesmente deixar a Carolin quatro dias depois de casarem.
- Quem te disse que já não o fiz?
- Hã? Marco o que é que fizeste?
- Saí de casa...estou a caminho de Berlim.
- O que?
- Milicent, assim que ligaste eu saí de casa. Meti a tua morada no GPS e estou a caminho daí. Porra eu quero-te para mim, será que não entendes? Eu começo a...Mili eu começo a...ai eu acho que comecei a amar-te. Eu vou aí ter contigo, nem que seja para te ver ao longe. Mas...não me mintas: queres que eu seja parte da tua vida?
- Achei que não precisavas de perguntar...
- Isso é o meu sim?
- Se...vens para cá...logo saberás se é ou não.
- Quatro horas e meia...fica atenta.
- Ficarei. Tem cuidado Marco.
- Eu tenho.
5 horas depois:
«Acho que estou no sítio certo...toco à campainha?»
Milicent apressou-se a ir até à janela e viu o carro de Marco à porta do prédio. Vestiu o seu casaco e saiu de casa, descendo as escadas (não estava para esperar pelo elevador). Chegou à rua e percebeu que estava frio...eram quase duas da manhã. Foi até ao carro de Marco, abriu a porta e entrou.
De novo, aquele perfume de Marco preencheu-a. Os dois olharam-se e, nos lábios de ambos, um sorriso formou-se. Um sorriso genuíno, um pouco envergonhado, tímido, mas um sorriso feliz, por estarem ali os dois.
- Tu és doido.
- Por ti, chega-te?
- Isto não está nada bem, Marco. Eu estou aqui, em Berlim, tu em Dortmund, casado. Não devíamos estar a querer estar um com o outro.
- Eu sei...mas tem sido tão difícil não estar contigo.
- Se tem...
- Tenho dormido na nossa casa.
- E a Carolin?
- Eu...expliquei-lhe tudo.
- Tu o que!? - Milicent estava super surpreendida com tudo aquilo. Estava completamente apanhada desprevenida e sem saber o que pensar.
- Eu...contei-lhe que estava a encontrar-me com outra pessoa. E que essa pessoa me fazia mais feliz que ela. Eu sei que fui muito directo com ela e que a magoei...mas eu não queria continuar a mentir-lhe. Assim acabou. Vamos avançar com o divórcio...eu não queria que a minha história com ela acabasse assim, mas prefiro isso se significar que começo a minha contigo.
- Marco...
- Fiz mal?
- Eu não estava à espera. Só isso. É que...mesmo que a nossa coisa comece...eu estou aqui. Não vou estar lá, contigo.
- Tenho uma proposta para ti.
- Proposta?
- Sim...uma proposta e um pacto. A proposta é para o nosso próximo mês, o pacto para os próximos seis meses.
- Fiquei baralhada.
- Eu passo a explicar...