- Mas têm a
certeza que está tudo bem? Não me estão a esconder nada? – perguntava Milicent.
- Não – respondeu
Marlene, deitada no seu sofá – o médico disse que foi uma perda de sangue
natural. Como bem sabes, eu nunca estive grávida não sei destas coisas.
- Mas vai ter de
ficar de repouso as próximas 24 horas! E a miúda não quer! - atirou Mario,
fazendo com que Milicent se ajoelhasse perto de Marlene
- Sofá, cama,
filmes e tens direito a jantar, almoço e jantar novamente, feito aqui pelos
dois. Que tal?
- Por muito que
custe...parece-me um excelente plano.
- Então toca a
ficar aí sossegada – Milicent deu um beijo na testa de Marlene, levantando-se –
tu e eu, cozinha para fazer o jantar à rainha!
- Sim chefe! – as
duas riram-se e Milicent caminhou em direção da cozinha, sendo seguida por
Mario.
- Está mesmo tudo
bem, Mario? – olhos nos olhos, Milicent tinha de voltar a fazer aquela pergunta
– sê sincero comigo, por favor.
- Mi, futura tia e
madrinha do meu filho – Mario deixou as suas mãos em cima dos ombros de
Milicent que, naquele momento, deixou escapar uma lágrima – emocionaste-te por
te chamar tia e madrinha do bebé? – a rapariga apenas conseguiu dizer que sim
com a cabeça – até parece que estás grávida para te emocionares assim.
- Responde à minha
pergunta e pára de andar à volta do assunto.
- Está tudo óptimo
com eles. A sério. Ela só precisa de descansar...tens visto que ela passa horas
na faculdade e agarrada àqueles livros. É o stress...mas eles estão bem.
Palavra do pai do puto.
- Adorava que te
saísse uma menina! Mas é que adorava mesmo!
- Vira essa boca
para lá! Então mas...e tu? – Mario levou a sua mão direita à barriga de
Milicent – Vou ter um segundo sobrinho?
- Oh tu cala-me
essa boca, oh Mario – Milicent deu-lhe um empurrão, fazendo com que Mario se
afastasse dela – és parvo, ou quê? Isso não são coisas que se digam!
- O bebé iria ser
meu sobrinho...
- Não! Porque esse
bebé nunca poderia existir. Como não existe neste momento. Fiz os testes lá no
centro, negativo super negativo.
- Eu sabia que não
me ias deixar ficar mal – Milicent riu-se, indo ao frigorífico buscar a carne
para o jantar – que te sirva de lição, oh tola.
- Acredita que
serviu. E não foi pouco...achas que deva contar ao Marco? Agora quando
regressar a Dortmund?
- Não! A sério,
Mi, não faças isso – Mario colocou-se ao lado dela, junto da bancada, começando
a ajudá-la com o tempero da carne – o Marco não está a 100%. Ele precisa de ti,
precisa que tu chegues lá segura do vosso amor. Isso irá mantê-lo seguro de si
mesmo.
- Às vezes dizes
com cada uma...
- Eu sei, eu sei.
Sou uma autêntica caixinha de surpresas.
- E um autentico
convencido – os dois riram-se, preparando o jantar dos três.
- Chegou isto para
ti, Mili – Marco chegava de mais uma sessão de recuperação com o que havia no
correio – isto é mesmo bom de se dizer!
- Eu também já
tinha saudade de receber correio de um carteiro tão sexy! – Marco entregou o
pequeno envelope a Milicent, beijando-a. Deu, também, um beijo na testa de
Marten que estava a dormir tranquilo nos braços da mãe.
Milicent
ajeitou-se no sofá, deixando Marten a dormir nas suas pernas. Abriu o envelope,
sem remetente, começando a ler.
Eu sei. Eu sei que já te fiz
muito mal, que te magoei imenso e que tu sempre me deste uma segunda
oportunidade. E a terceira, a quarta...até ao dia que não deu para mais. E eu
aceitei isso. Só o poderia aceitar.
Mas, Milicent, eu preciso
mesmo da tua ajuda. Eu sei que não tenho o direito de te pedir isto, mas só tu
me consegues ajudar. Vem ter comigo, até ao final do dia de hoje. Ao jardim
onde nos encontramos no outro dia. Se não vieres, já sei que não me ajudarás e
seguirei com a minha vida.
- Algum problema?
– perguntou Marco, quando Milicent atirou com o pedaço de papel para o chão.
- É o Loresn.
Continua a querer a minha ajuda.
- E tu queres
ajudá-lo?
- Não, Marco. Não.
Eu ajudei-o imenso noutros tempos, foram muitas as vezes que o tirei de
situações difíceis e horríveis. E, se ele agora está assim, há-de haver alguém
que o consiga ajudar. Não vou ser eu.
- Já pensaste que
não haja ninguém que o ajude?
- A mãe dele
ajuda-o, Marco. Ela acolheu-o em casa depois de toda a porcaria que ele fez.
Ela faz de tudo para o Loresn encontrar o caminho dele. Ele é que não o
segue...ele volta sempre ao ponto de partida.
Os dois foram
interrompidos pelo som da campainha. Marco foi abrir a porta, enquanto Milicent
tentou acalmar Marten que despertou do seu sono.
Nico, o sobrinho
de Marco, apareceu na sala primeiro que todos. Indo com alguma pressa para
junto de Milicent, deu-lhe um beijo na bochecha depois de se sentar ao seu
lado.
- Olá, tia – para
Milicent ainda era estranho que Nico a tratasse por tia. Tinham sido raras as
vezes que estiveram juntos e, a maioria delas, Nico ainda era pequeno. Agora,
com três anos, Nico demonstra sempre gostar de Milicent como se a conhecesse
desde sempre.
- Olá Nico.
- Ela tem direito
a beijinho e eu não? – perguntou Marco.
- Não deste
beijinho ao tio? – questionou Milicent, vendo um Nico envergonhado acenar
negativamente com a cabeça – o tio assim vai ficar triste, Nico.
O menino saiu do
sofá, correndo até Marco. O rapaz pegou-o ao colo e Nico encheu-o de beijos
espalhados por toda a cara. Enquanto isso, Yvonne e o marido cumprimentaram
Milicent e deram, cada um, um beijo na testa de Marten que tinha voltado a
adormecer.
- Está a ficar
cada vez mais parecido com o Marco... – comentou Yvonne.
- Não te safas
desses comentários – Marco sentou-se ao lado de Milicent, com Nico no seu colo.
O sobrinho mantinha-se sossegado a olhar para o primo – vai ficar cada vez mais
parecido com o pai.
- Desde que não
seja convencido como tu...
- Nesse aspecto
vai sair à mãe – Marco aproximou-se de Milicent, roubando-lhe um curto beijo.
- Continuam
iguais, vocês. Tal e qual como no dia em que conheci a Milicent – afirmou
Yvonne. Milicent sorriu, era bom perceber que as outras pessoas não notavam que
estavam diferentes. Que estariam a atravessar alguns problemas – temos um
convite a fazer-vos.
- Desembucha, mana
– Marco encostou a sua cabeça ao ombro de Milicent, que deixou a sua cabeça
cair sobre a de Marco. Milicent observava Nico que brincava com os botões do
casaco de Marten, que o olhava como se sentisse que era seu irmão. Era sempre
assim quando estavam juntos.
- Estamos a pensar
ir passar o fim-de-semana à nossa casa de férias. Aquela para onde íamos quando
éramos pequenos – começou Yvonne – nós, a Melanie e o namorado, vocês, a mãe e
o pai. Um fim-de-semana à Reus. O que é que acham?
- Por mim, é só a
Milicent concordar e vamos. Sair daqui por uns dias seria bom – todos os olhos
estavam postos em Milicent que, naquele momento, se sentiu intimidada.
- Isso é muita
pressão em cima de mim – riu-se depois de dizer aquilo. Não sabia da existência
daquela casa, Marco nunca lhe tinha contado – parece que vamos ter um
fim-de-semana à Reus, então – gostava de, cada vez mais, se sentir parte da
família de Marco. E no quão bem a aceitaram na vida dele – mas, oh senhor
Marco, eu vou ter de roubar a ideia e fazer um fim-de-semana à Werner! – todos
se riram e Milicent olhou para Marten.
Aquele fim-de-semana teria tudo para ser bom para os três.
- Tens a certeza
que é aqui? – perguntava Marco.
- Claro que
tenho...se calhar não está em casa – Milicent e Marco estavam à porta de
Camile. A mãe de Loresn. Marco segurava o carrinho de Marten, enquanto Milicent
batia à porta.
- Podemos tentar
vir da parte da tarde.
- Se calhar é
melhor... – preparavam-se para sair dali, quando a porta se abriu. Era Camile.
- Bom dia – Camile
saiu de casa, caminhando até Milicent – ainda estava a dormir, desculpem.
- Não tem mal –
Camile aproximou-se de Milicent, dando-lhe dois beijinhos.
- Estás tão
bonita...
- Obrigada –
Milicent sorriu, olhando para Marco – é o meu namorado, Marco. Marco é a
Camile, a mãe do Loresn – os dois cumprimentaram-se e Camile espreitou para o
carrinho, deixando escapar várias lágrimas – é o Marten. O nosso filho.
- Eu fico tão
feliz que tenhas refeito tão bem a tua vida, querida – Camile olhou para
Milicent – tu merecias melhor que ele. Pode custar-me imenso admiti-lo, mas é a
verdade.
- A Camile...sabe como está o Loresn?
- Claro que sei.
Está cada dia pior, querida. Vocês querem entrar?
- Não... –
respondeu muito prontamente Milicent – obrigada, mas ele poderia aparecer e
tornar tudo mais complicado. Camile – Milicent aproximou-se da senhora,
agarrando-lhe as mãos. Mais ásperas do que antigamente, mais enrugadas e
estragadas. Camile era uma mulher do trabalho, vivia para cuidar dos seus
animais e da sua quinta. Milicent ainda a ajudou algumas vezes – eu só a quero
ajudar a si. Imagino que ele ande, outra vez, como em tempos andou. E a senhora
precisa de ter a sua vida. Em paz – Milicent, do interior da sua pequena mala
retirou um cartão, entregando-o a Camile – é um amigo meu. Conheci-o na
faculdade e dedicou-se à psiquiatria e lida com imensas pessoas com problemas
com droga. Entregue-o ao Loresn. Mas não lhe diga que fui eu...
- Diga-lhe que fui
eu – afirmou Marco, para espanto de Milicent – ele assim vai aceitar. Porque
saberá, lá no fundo, que te preocupaste com ele – Milicent sorriu, voltando a
olhar para Camile.
- Eu espero que
isto a ajude.
- Obrigada, meus
queridos – Camile abraçou Milicent, puxando Marco para junto deles. Marco viu
um sorriso nos lábios da senhora. Um sorriso de alívio, de esperança.
- Está tudo bem? –
perguntava Marco depois de se sentar ao lado de Milicent na relva fresca. O
tempo, naquele fim-de-semana, estava de feição e tudo estava a correr
tranquilamente. Ainda só tinham chegado à três horas, mas Milicent já sentia
que aquele sitio era especial.
- Está, Marco.
Porque é que perguntas?
- Estás mais
distante, Mili – ao ouvir aquela afirmação, Milicent não teve outra reacção a
não ser olhar para ele – nestes últimos dois dias...andas mais distante.
- Mais distante
como, Marco?
- Andas
distante...estamos pouco tempo juntos, e eu sei que posso ter os treinos mas
tento sempre estar contigo, andas com pressa em arranjar um trabalho...já não
somos os mesmos.
- Por mais que eu
queira ser a mesma... – Milicent aproximou-se do namorado, agarrando-lhe as
mãos – tu já não és o mesmo. Estás um Marco completamente diferente daquele que
eu conheci. E, sim, eu sei que as circunstâncias mudaram, que o que passaste e
estás a passar não é fácil de tu gerires, nem é fácil para quem está à tua
volta. Eu não me estou a queixar, nem nunca me queixei. Mas eu tenho a noção
que está tudo diferente.
- Dúvidas do que
sinto por ti?
- Não – Milicent
olhou para o rio que tinha na sua frente, deixando escapar aquelas lágrimas que
tinha dentro de si à demasiado tempo.
- Eu não te estou
a fazer bem... – Milicent olhou-o, limpando as lágrimas que lhe cobriam as
bochechas – eu não quero que chores por minha causa.
- Não é por tua
causa, Marco. É por causa de tudo. Estou cansada, é só isso.
- Achas que
devíamos...
- Não. Não
devíamos dar um tempo, não devíamos acabar. Não é longe que te vou conseguir
ajudar, não é longe um do outro que me vais conseguir ajudar. Eu sei que não
quero estar longe de ti. Só quero que tudo mude...
- Como é que
queres que tudo mude?
- Não sei, Marco.
Eu nem faço ideia o que é que tem de mudar – olhava-o de tal forma que
conseguia ver que ele estaria perto de chorar – mas eu sei de uma coisa. Tanto
eu, como tu, precisamos de recuperar tudo o que tínhamos antes da tua lesão.
- O jantar está servido! – ouviram a voz
de Melanie a chamá-los. Olharam na direção dela, acabando por sorrir. Marco
levantou-se, olhando para Milicent.
- Eu já lá vou
ter...devo estar num lindo estado.
- Não estás assim
tão mal.
- Isso é
tranquilizador – Marco acabou por se baixar um pouco, beijando a testa de
Milicent.
- Eu prometo-te
que vai ficar tudo bem. Não sei é quando.
Milicent não disse
mais nada. Esperou que Marco começasse a caminhar em direção da casa para se
levantar, respirar fundo e limpar a cara. Foi até ao interior da casa, indo à
casa de banho. Passou com água fria pelo rosto, voltou a respirar fundo indo
até à sala de jantar.
- Desculpem...tive
de ir à casa de banho.
- Está tudo bem? –
perguntou Manuela.
- Estou só um
bocadinho mal disposta – sentou-se ao lado de Marco, agarrando-lhe a mão que
mantinha em cima mesa – e desculpem-me se não comer muito hoje...
- Não tens nada
que pedir desculpa querida – a mãe de Marco, depois de tal afirmação, começou a
servir o jantar.
Marco agarrou a
mão de Milicent, levou-a até aos seus lábios beijando-a.
- Sempre tão
românticos – comentou Melanie – para quando o sobrinho número dois?
- Olha, estás
doida – Yvonne interveio – o Marten ainda só tem quatro meses! Achas que se
engravida assim, do segundo filho, tão depressa?
- Até porque não
está tudo regularizado com o sistema da Mili – atirou Marco, para espanto de
Milicent – relaxem que, quando surgir o bebé número dois saberão. Por agora
ficamos só com o Marten.
- Que hoje está a
ter descanso do chato do pai – Milicent brincou, levando a que todos se rissem.
- Ele gosta mais
de mim do que de leite ou papa, sim? – Milicent sabia que poderia ser verdade,
mas precisava de brincar naquele momento. De puxar o lado brincalhão de Marco,
também.
- Até ao dia em
que se fartar e virar o menino da mamã – afirmou Manuela, olhando para
Milicent. Piscou-lhe o olho, fixando o seu olhar no filho – os meninos são
sempre meninos da mamã. Sobretudo se forem únicos.
- Acho que a tua
mãe está a querer dizer alguma coisa com isto, Marco Reus – Milicent riu-se,
vendo que Manuela também o fez.
- Tudo bem, mas
enquanto ele for mais para a minha pinta deixem lá as coisas entre nós fluírem
assim. Não tenham ciúmes.
O resto do jantar
tomou o mesmo rumo. Riram-se, histórias foram contadas sobre os tempos em que
Marco e as irmãs eram pequenos, desejos foram pedidos, mesmo que mentalmente, e
Milicent acabou por ver que, por mais que tentasse, Marco não estava tão
animado quanto os outros.
Talvez por ser uma
cama diferente da sua, por não estar em sua casa ou por, simplesmente, não ter
sono nenhum, Milicent não estava a conseguir dormir. E, antes que acordasse
Marco, optou por ir até à cozinha para beber um copo de leite quente.
- Insónias? –
assustou-se com a voz de Manuela a soar na cozinha, acabando por se rir sozinha
– desculpa, não te queria assustar.
- Não tem mal... –
virou-se para a mãe de Marco, reparando que também ela foi à procura do leite
no frigorífico – parece que estamos com o mesmo problema.
- Custa adormecer
na primeira noite em cama estranha – as duas sentaram-se à mesa e Manuela ficou
alguns segundos a olhar para Milicent a beber o seu leite – está tudo bem?
Digo, entre ti e o Marco?
- Afinal é
perceptível...
- Para a maior
parte das pessoas que vos conhecem, é capaz de passar despercebido. Mas quem
vos conhecer a fundo...sabe que não está tudo como antes.
- A lesão do Marco
ainda está bem presente em casa – pela primeira vez, Milicent tinha na sua
frente alguém que, mesmo não estando todos os dias com eles, os conhecia bem. Até
ao momento, não se tinha apercebido que Manuela os conheceria assim tão bem.
- Ele foi muito
abaixo com esta...
- Acho que nem foi
esta, Manuela. Eu acho que ele ainda está assim por causa da primeira.
- Vocês são um
casal jovem – Manuela aproximou-se de Milicent, agarrando-lhe a mão – em dois
anos que estão juntos já passaram por coisas que muitos casais nunca passam.
Vocês são diferentes, têm uma vida que, por vezes, deve ser um turbilhão e eu
nunca, nunca vos vi a pedir ajuda a alguém, a exporem os vossos problemas.
Vocês são novos e é normal que passem por estas fases.
- E como é que
voltamos a ultrapassar uma fase destas?
- Eu não sei. Não
tenho uma resposta certa a essa pergunta. Mas eu sei que a vão ultrapassar, que
vão sair deste momento mais unidos. Porque vocês têm razões para serem felizes,
têm um filho lindo e o vosso amor é especial. Talvez precisem de um momento com
a família. Como este fim de semana...não se isolem. Não tentem resolver tudo a
dois.
- Manuela, eu
tenho certezas do que quero para o meu futuro. E eu quero estar bem e feliz com
o Marco. Eu sinto que, neste momento, estamos por um fio. Sinto que a qualquer
momento, à mínima coisa, podemos acabar. Eu não sei o que fazer mais para o
animar, para trazer o meu Marco de volta. Porque, parece, que não há forma de
trazer o Marco de volta...ele não deixa.
- O Marco sempre
foi menino de se isolar, de ter o seu espaço e o seu tempo para reagir às
coisas. Custa-lhe porque ele quer pensar, explodir e estar sozinho. Ele não
pode fazer isso – Manuela levou a sua mão à cara de Milicent, limpando-lhe as
lágrimas que lhe escorriam pela cara – não chores, querida. Vai ficar tudo bem
entre vocês, não sei quando será mas vai ficar. Basta ver a maneira como ele
olha para ti, como aqueles olhos brilham quando te vêem entrar em qualquer
divisão de uma casa. Ele ainda não se habituou às mudanças da vida dele, acho
eu. Se, na altura da lesão não existisse o Marten, ele teria acabado por se
afastar ainda mais de todos nós… Vocês estão a viver uma fase linda, serem
pais, mas há aquela lesão a assombrá-lo. E o teimoso não quer ajuda
psicológica.
- Pois não...
- Anda cá –
Manuela abriu os seus braços, recebendo Milicent no meio deles. Abraçou-a com
força, beijando a cabeça da rapariga – tenham paciência e calma um com o outro,
falem mais sobre isto e, sempre que precisares, podes vir ter comigo.
- Obrigada,
Manuela.
- Era a Camile –
Milicent voltou para junto de Marco, sentando-se ao seu lado na relva – o
Loresn ligou ao meu colega e marcou uma consulta.
- Isso é óptimo –
Marco puxou-a para junto de si e Milicent deixou a sua cabeça cair sobre o
ombro do namorado. Olhou para Marten que, feliz e contente, brincava com o seu
brinquedo de eleição dos últimos tempos: a pulseira do pai.
- Isto aqui é tão
calmo e tranquilo...
- E eu, muitas
vezes, esqueço-me disso. Já podíamos ter vindo cá à mais tempo...podíamos, até,
ter vindo para cá nas férias.
- Nas próximas
férias podemos vir para cá. O Marten, se tudo correr bem, já vai andar a dizer
as primeiras palavras, a percorrer todos os espaços a gatinhar...
- E a não usar só
a pulseira como brinquedo!
- Tu é que brincas
sempre com aquilo. Ele habituou-se a tê-la nas mãos e, como é mole, é claro que
gosta!
- Este fim-de-semana
fez-me bem, Mili – sem qualquer esforço, um sorriso formou-se nos lábios de
Milicent.
- É muito bom
ouvir isso, Marco.
- Amanhã começa
uma nova semana e uma nova fase. Eu sinto. Eu vou treinar com todos, vou voltar
a jogar e...eu preciso disso para voltar a estar bem. A sentir-me melhor. Depois
vai começar a correr tudo bem...
- E eu tomei uma
decisão – Milicent olhou-o, agarrando a mão de Marco – até ao final do ano,
seremos apenas nós três. Tu, eu e o Marten. Só com os teus treinos e jogos pelo
meio. Até ao final do ano eu não procuro trabalho, eu dedico-me a nós. A ti.
- A mim?
- Precisas de me
ter a teu lado, de teres alguém focado em ti. Eu serei essa pessoa. Vamos
voltar a ser o que éramos Marco. Eu preciso disso, nós precisamos disso.
Marco sorriu,
puxou Milicent para si e os dois acabaram por cair sobre a relva entre risos e
gargalhadas. Marten acabou por interromper o beijo intenso e apaixonado que os
dois trocavam, tentando rir-se com gargalhadas bem audíveis.
Milicent sentiu
que tudo poderia renascer. Que tudo poderia voltar a ser como antigamente.
Quando tudo parece que começa a ficar melhor, eis que
surge mais uma lesão. E, desta vez, é mais um mês e meio sem competir. É mais
um mês e meio onde o Marco volta a estar parado, volta a estar lesionado.
Estávamos a ficar bem, tão bem que até falamos em casar,
a deixar o Marten com os avós quando haviam folgas do Marco simplesmente para
fugirmos os dois e aproveitarmos aquele tempo para nós. Mas não. Parece que
nada na vida dele, nas nossas vidas, corre bem.
Será isto castigo por todo o começo da nossa relação? Por
termos sido pessoas más, ao estragar a felicidade de uma mulher? Será isto a
nossa punição? Deve ser, de certeza!
E o que é que voltamos a ter? Afastamento, palavras secas
e, pela primeira vez, houve uma “discussão”. Foi “apenas” uma troca de palavras
mais violenta. Uma troca de palavras onde ele me disse que não me metesse na
vida dele. Onde eu lhe disse que era a pessoa mais egocêntrica que conhecia. No
fim, tanto ele como eu soubemos que não queríamos dizer nada daquilo. Mas
acabamos por dormir separados.
Não consigo falar destas coisas com ninguém. Não quero
sobrecarregar ninguém com os nossos problemas. Todos eles já têm os
seus...estou aqui a escrever e, de certeza, acabarei por mostrar isto a alguém.
Um dia.
Nem que seja ao Marco. Mas duvido que seja.
- Mi...
- Eu não quero,
por favor, que fiques a pensar nestas coisas, que sintas isto como um problema
teu. Estás nos teus quatro lindos meses de gravidez, a tua barriguinha está
linda e estamos quase a saber se é menino ou menina – Milicent acariciava a
barriga de Marlene, olhando para a mesma – mas eu só queria partilhar isto com
alguém.
- E ainda bem que
o fizeste – Milicent olhou para a amiga – eu estou ao teu lado para tudo o que
precises. Eu posso ter os meus problemas, a minha vida, estar em Munique...mas
tu sabes que estou para ti e para tudo o que precises.
- Obrigada –
Milicent abraçou-a, relaxando – tenho dias que já não sei o que fazer com ele.
Ou connosco – as duas olharam-se.
- Nunca pensei que
estivessem assim tão mal.
- Depende dos
dias. Depende das notícias que ele saiba da lesão. E, depois, reflecte-se tudo
cá em casa. Ele não fala comigo sobre as coisas...
- Porque é que ele
nunca foi a um psicólogo?
- Eu não sei...é
teimoso!
As duas acabaram
por se rir, sendo interrompidas pela entrada de Marco na sala. Terá ele ouvido alguma coisa?
- Boa noite –
cumprimentou Marlene com dois beijos e Milicent com um beijo na testa – o
Marten?
- Está no quarto.
- Eu vou lá ter
com ele. Até já – deixaram que Marco subisse até ao quarto para retomarem a
conversa.
- Hoje...hoje ele
não está bem! – atirou Milicent, deixando a sua cabeça cair sobre o ombro de
Marlene – eu não sei se aguentamos muito mais tempo juntos.
Milicent sentia, verdadeiramente, aquilo que dizia. Se, no inicio de
Outubro, a relação estava por um fio mas com esperança de que tudo fosse mudar,
neste momento, em fins de Novembro, Milicent não sentia qualquer esperança como
à um mês.
Olá meninas!
Aqui vos deixo mais um capítulo! Espero que gostem e deixem os vossos comentários.
Beijinhos,
Ana Patrícia.